terça-feira, 1 de setembro de 2009

As viagens de Tonico




Na fazenda Santo Anastácio, a principal fonte de ganho econômico é a criação de caprinos. São muitos os animais que ali vivem e o tipo de exploração comercial é diversificado: produção de leite, queijo, carne, pêlo, pele, venda de matrizes e reprodutores. O lugar dispõe de uma ampla área e a rotina diária inclui períodos de pastoreio e exercícios para os animais.
Em uma das extremidades da fazenda, onde esta faz fronteira com a propriedade vizinha, há uma abertura na cerca. Tonico, um jovem cabrito reprodutor, sempre que surge uma oportunidade, passa pela brecha indo parar do outro lado, onde há uma enorme plantação de arbustos. Fica ali por um tempo, saboreando as finas folhas da excêntrica roça, até que alguém dê por sua falta e venha a sua procura.
De volta ao cabril, Tonico começa a contar histórias sobre um lugar que ele conhecera e que, segundo seus relatos, seria o melhor lugar do mundo para se viver.
— Podem acreditar no que estou falando, pois é a pura verdade. Não existe no mundo lugar mais bonito! Os campos são imensos e a gente pode correr por eles o dia inteiro. Em qualquer direção que se olhe, não se consegue enxergar o fim. Não existem cercas. Todos vivem livres, andando por entre árvores, em contato a natureza e com os outros animais. Bebemos nas margens dos lagos e rios, há muitas flores e o canto dos pássaros é belo como em nenhum outro lugar.
Frederico, um pequeno cabritinho de mais ou menos seis meses de idade, ouvia atentamente e ficava fascinado com as histórias que Tonico contava.
— Tem capim a perder de vista e uma enormidade de plantas e folhas para gente comer! Os cabritinhos vivem dando cabeçadas uns nos outros. E as cabritas... Ah! As cabritas... Uma mais linda que a outra! — continuava Tonico.
Todos achavam graça nas histórias, mas não acreditavam nelas. Apenas Frederico, absorto pelas suas fantasias, acreditava que todos, um dia, iriam para lá.
Adamastor, um bode mais experimentado, procurava chamar o cabritinho à realidade.
— Não dê atenção ao que o Tonico fala. Sempre que ele passa para o outro lado e come daquela planta, ele começa a inventar essas histórias. Ele nunca saiu daqui. Nasceu e foi criado nessas terras. Como é que ele sabe desse lugar?
— Talvez alguém que esteve lá contou para ele – respondeu Frederico.
— Alguém? Quem?
— Alguém que tenha saído daqui. Para aonde é que vão todos que saem daqui?
Adamastor sentiu um aperto em sua garganta e não teve coragem de dizer ao pequeno para onde todos iam.
— Oras, garoto. Devem ter ido para outra fazenda.
— Pode ser. Ou, então, foram para esse lugar e por isso não voltam para nos ver. Lá deve ser muito bom, mesmo! – retrucou Frederico.
— Não fique colocando caraminholas na sua cabeça, moleque. O que você tem a fazer é torcer para ser escolhido como reprodutor. Aí, sim, você vai ter chance de viver uma vida melhor. Trate de correr atrás das cabritinhas.
— Mas, e se eu não for escolhido para ser reprodutor? O que vai acontecer comigo?
Outra vez Adamastor sentiu um travo em sua garganta.
— Oras, vão levar você embora - balbuciou. Você quer se separar da gente?
— Se for para o lugar que o Tonico falou, quero sim – disse Frederico e saiu correndo para brincar com os outros cabritinhos.
Adamastor sabia que as chances do pequeno eram mínimas. A grande maioria deles já tem o destino traçado, desde o nascimento. Aproximou-se de Tonico e chamou sua atenção:
— Pare de pôr fantasias na cabeça deles. É melhor que eles saibam, desde pequenos, qual o seu valor neste mundo.
— Pois eu discordo. Já que nunca irão conhecer nada melhor do que isto aqui, pelo menos, através das fantasias, eles podem ser livres e viajar para onde a imaginação puder levá-los.
Dizendo isto, Tonico se afastou e deitou-se em um canto do cabril. Logo anoiteceu e todos silenciaram.
Nas primeiras horas da manhã seguinte, dois homens começaram a fazer a separação de alguns animais, como ocorria de tempos em tempos. Os animais, assustados, tentavam se esquivar. Faltava capturar apenas um, para completar o número desejado, quando Frederico, ainda com as histórias de Tonico em sua lembrança, viu, aí, a oportunidade de poder ir embora dali e conhecer o lugar tão sonhado. Caminhou, berrando, em direção aos dois homens, como se dissesse: — Hei, estou aqui, levem-me com vocês!
Adamastor e os outros animais perceberam o perigo e gritaram para que ele fugisse e se escondesse. Mas, Frederico não os ouvia. Estava obstinado em seu propósito. Quando já estava quase nas mãos dos homens, Tonico veio correndo, passou por ele, empurrando-o, e bateu de encontro a um dos homens, derrubando este no chão.
— Ah, seu cabrito danado. Você vai ver só. Vamos pegar este aqui. Ele vive dando problemas, vive fugindo para o outro lado. Está na hora de dar uma lição nele.
Tonico não se mexeu. Ficou parado e deixou-se apanhar. Foi levado com os outros animais e nunca mais voltou.
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— Por que ele não deixou eu ir? Será que ele conseguiu chegar lá, seu Adamastor? – perguntou Frederico.
— Acho que sim, Frederico. Dessa vez, creio que o Tonico chegou na terra tão sonhada. E, neste momento, ele deve estar correndo pelos campos... livre... para sempre.


Nota:
Segundo os últimos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) os números apontam para um rebanho de 16 milhões de ovinos e cerca de 10,5 milhões de caprinos nas propriedades do Brasil. De acordo com a Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco), hoje, a produção nacional gira em torno de 172 mil toneladas de carne ovina e caprina ao ano. A lã produz cerca de 14 mil toneladas e a produção de peles chega a sete mil toneladas. Isto, sem considerar a indústria genética, a médico-veterinária e outros setores envolvidos.
Fonte ANCO
Obs.: A carne preferida para consumo é a dos animais abatidos entre 6 e 8 semanas de vida.

Um comentário:

  1. Adorei este conto. Acho interessante as histórias com animais,passando lições muito importantes para os homens. Continue, virei cá mais vezes. Graça

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