quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O pato poeta engajado


"O pato pateta pintou o caneco
Surrou a galinha, bateu no marreco,
Pulou do poleiro, no pé do cavalo,
Levou um coice, criou um galo."


- Ei, ei, ei! Vamos parando por aí. Não cantem essa música. O cara que escreveu isso não sabe das coisas. Onde já se viu chamar um pato de pateta. Se o que ele queria era fazer uma consonância, que usasse outro adjetivo. Por que não chamou o pato de poderoso? Ou portentoso? Ou perfeito? Ou polido, pacífico, precioso, paladino... ou príncipe? - falou Ludovico, um pato metido a poeta, para um grupo de patos que passava.
- Concordo com você, Ludovico - disse Ernesto, um pato metido a revolucionário.
- E você acha, Ludovico, que alguém, por acaso, importa-se com o que os patos pensam, acham ou sentem? - redarguiu Margarida, uma pata metida à celebridade.
- Se não se importam, a culpa é nossa. Nós deixamos que nos tratassem assim. É por isso que, sempre que fazem comparações conosco, menosprezam-nos. Você já deve ter ouvido, alguma vez, expressões do tipo: "Parece uma pata-choca." "Lerda como uma pata." "Perdeu como um pato." Veja se tem cabimento! Nós é que devíamos ficar ofendidos de sermos comparados a eles!
- Apoiado, Ludovico. Tem gente que não se enxerga, mesmo! - falou Ernesto, furioso. Se ouço uma coisa assim, a meu respeito, viro um humano!
- Eu não sei por que falam do nosso jeito de andar. Eu me acho tão sensual. Você não acha, Ludovico? - perguntou Margarida.
-Uma gatinha! Ou melhor, eu quis dizer uma patinha linda!
- Obrigada, assim está melhor. Mas, então, você seria capaz de fazer versos melhores?
- Mas é claro! Versificar é comigo mesmo. Meu estilo é único e meu vocabulário ilimitado! Há muitos anos que estudo o patonês.
- Você também saberia fazer aliterações?
- Perfeitamente!
- Estou esperando!
-Mas assim, de supetão?!
- O seu vocabulário não é ilimitado!?
- Por isso mesmo, não posso fazer agora. São muitas palavras. Preciso selecioná-las com cuidado. Analisar o seu valor semântico, a sua sonoridade, ver se se adéquam corretamente no verso.
- Até amanhã, Ludovico!
- Até amanhã?! Tudo bem! Amanhã, os meus versos estarão prontos.
- Não, não foi isso o que eu quis dizer! Mas, que seja! Amanhã, então, ouviremos o seu poema. - falou Margarida, duvidando que encontraria Ludovico no dia seguinte.
No dia seguinte, Margarida e a turma esperavam por Ludovico, e nada dele aparecer. Já estavam quase desistindo, quando o avistam chegando, devagar, naquele característico caminhar patolíneo. Trazia um lenço amarrado no pescoço. Parou, todo empertigado, e começou:

"O pato não é pateta
Não bate e não é de brigar
Das aves, é a mais esperta
Anda, voa e sabe nadar

Seu bico é chato e comprido
Sua cauda parece um leque
Seu andar é bem divertido
Quem não gosta do seu sarambeque?

Tem um tipo muito engraçado
Seu grassitar é bem diferente
Todos imitam o seu rebolado
Até o animal que se diz sapiente

Ele, também, merece respeito
Não pense em levá-lo à panela
Deixe-o viver do seu jeito
Caindo no poço, quebrando a tigela"

- Que lindo, Ludovico! Gostei de ver! - disse Margarida, admirada.
- Parece coisa de maricas. - disse Ernesto, um pouco contrariado.
- Não que eu esteja achando que precise. Longe disso! Está ótimo! Mas, você não disse que iria fazer aliterações? - perguntou Margarida.
- E fiz. Estava esperando você perguntar. Ainda tem mais um verso. E continuou:

"Por isso, a paz queremos
Não desejamos a luta armada
Mas, se for preciso, lutaremos
Com pedras e paus ou na porrada"

- Bravo, Ludovico! Muito bem! Isso mesmo! - gritou Ernesto. É preciso ser terno, mas sem perder a dureza... Jamais!!!

Quack... Quack... Quack...

3 comentários:

  1. Nossa que ótima lição cômica, adorei, deu bastante risada com esta história. Nunca tinha parado pra pensar sobre essa música e sobre as comparações que fazemos menosprezando os patos.

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  2. Isso ai gostei importante é se posicionar naquilo que acredita, estou precisando ser mais pato

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  3. É isso aí. Vamos começar uma revolución!!

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