Em uma comunidade vegana, criada no site de relacionamento Orkut, foi aberto um fórum para discussão do seguinte tema: Uma pessoa que compra carne ou ração com carne para seus tutelados pode-se considerar vegana? São três as opções de resposta: 1) Sim. Explique. 2) Não. Explique. 3) Não sei, tenho dúvidas. Quais?
Um total de 42 pessoas votaram (até o dia 28/09/2009). O resultado era o seguinte:
Sim - 23 votos (54,7%).
Não - 15 votos - (35,8%).
Não sei - 4 votos (9,5%).
Como se pode notar, as opiniões estão bem divididas. Constata-se logo que, se essa divergência ocorre, ainda existem questões que precisam ser melhor discutidas e analisadas pela comunidade vegana.
Entre a maioria das respostas que optaram pelo "sim", a opção pelo veganismo é uma questão pessoal. Vegano é o tutor e não o tutelado. Nada deve ser imposto.
Já os que optaram pelo "não" acreditam que declarar-se vegano é não colaborar com a indústria da carne de forma alguma. Vegano é vegano e ponto final. O tutelado, se quiser comer carne, que se vire.
As "dúvidas", dos que optaram pela opção 3, em sua maioria, se referem à ração para os animais, principalmente sobre a qualidade nutricional da ração vegana.
Segundo um dos posts que está registrado no fórum:
"O veganismo é um passo além da dieta vegetariana. Motivados por ética e respeito aos direitos dos animais, os veganos não consomem ou utilizam qualquer tipo de produto de origem animal: carnes, leite e derivados, ovos, gelatina, couro, seda, peles, cosméticos testados em animais, não vão a circos com shows de animais, rodeios, etc. O vegano tenta evitar qualquer coisa, produto ou ação que tenha causado sofrimento desnecessário a um ser senciente, seja ele um animal humano ou não-humano. Definição extraída da comunidade Veganismo" (grifo meu).
Em outro post:
"Acho que veganos não contribuem de maneira alguma com o uso de animais [p/ qquer fim]" (grifo meu).
Os autores desses posts, usando de seu livre direito de opinar, optaram pelo não. Mas, há casos e casos. Vejam o meu, por exemplo. Moro com a esposa e dois filhos. Todos éramos carnívoros. Éramos porque, há mais ou menos seis anos, decidi me tornar vegetariano. Na verdade, um ovo-lacto-vegetariano. Aí, fui me instruindo, informando, pesquisando (como já escrevi em meu perfil), e me tornei vegano (há quase três anos). Bom, vegano é como me defino.
Foi, então, que surgiu o problema. Em casa, só eu me tornei vegano. Os outros continuam carnívoros. A maior parte das despesas, incluindo as com alimentação, são pagas por mim. Vamos ao mercado e eu procuro comprar os produtos veganos. Verifico os ingredientes, a composição e, quando lembro, o fabricante. Minha esposa e filhos (estes, quando vão) enchem o carrinho com os produtos de sua preferência. Compram na seção de laticínios, no açougue, peixaria, leite, ovos e por aí vai. Não se importam com a composição, nem com os ingredientes. E, no final, sou eu quem paga a conta.
O dilema está posto. Se sou vegano, segundo a definição acima, não devo colaborar com a exploração animal. Por outro lado, tenho obrigações para com a família. O que fazer? Devo obrigá-los a seguir a minha ideologia? Impor a minha vontade? Fazer com que eles consumam os produtos que eu escolher? Devo reunir a família e comunicar: "A partir de hoje, nesta casa, só entra produto vegano. Quem quiser ficar, fique. Quem quiser ir, hasta la vista"?
Apesar do veganismo ser uma ideologia radical, isso me parece um excesso. Vamos supor a seguinte situação e fazer uma inversão de papéis. Muitos veganos moram com seus pais e dependem do sustento fornecido por estes. Pedem que seus pais comprem os produtos que querem consumir. Brigam pelos seus direitos. Então, eu pergunto: se para nós, veganos, o pai que é carnívoro tem obrigação de respeitar a opção do filho vegano, por que o pai vegano não deve respeitar a opção do filho carnívoro?
Vamos pensar em outra situação: uma pessoa trabalha em uma empresa, há alguns anos. De repente, resolve tornar-se vegano. Essa empresa, de alguma forma, colabora na exploração animal (Procter & Gamble, Reckitt Benckiser, Unilever ou outra qualquer). O que ela deve fazer? Pedir demissão e procurar outro emprego? Entrar na fila do seguro-desemprego?
Um vegano mais ortodoxo diria que, por ser consciente de todos os problemas e maus tratos causados aos animais e ao meio-ambiente, o pai vegano tem obrigação de advertir seus familiares, mostrar-lhes o que é correto e não cooperar com a indústria da morte. Tampouco um vegano deve trabalhar em uma empresa que produz ou comercializa produtos que foram testados em animais ou possuem algum ingrediente de origem animal.
É um ponto de vista. Deve ser respeitado, como todos os outros. Porém, como a maioria dos pontos de vista, ele é baseado em opiniões, que por sua vez são baseadas em valores. E é aí que está o x da questão. Os valores podem se apresentar de diferentes formas em cada pessoa. Família, amigos, experiências vividas e aprendizado adquirido ao longo do tempo, influenciam na formação do parecer que cada um faz a respeito de determinado assunto. Por exemplo, existem pessoas que são favoráveis à pena de morte. Há, também, pessoas que são favoráveis ao aborto, à eutanásia, à realização de pesquisa com presidiários, que fazem sexo por dinheiro, que acham natural o adultério. Há pessoas que são totalmente contra tudo isso. E há algumas que concordam, apenas, com alguns desses exemplos.
Há pessoas que acham correto comer carne. Principalmente, porque foram criadas assim. A imposição, a meu ver, em nada contribui na formação de um valor. Acredito que cada pessoa tem o seu tempo certo. O tempo certo para alcançar o discernimento necessário para avaliar, da melhor forma, essas questões e poder, realmente, distinguir o que é certo e o que é errado.
Por isso, penso que os critérios para se definir o vegano não devem ser tão restritos. Ao invés de usarmos os termos não contribui ou colabora, deveríamos, tão somente, usar não consomem ou utilizam, como aparece na definição da Comunidade Veganismo, segundo o post acima. E acrescentaria: não consumir, usar ou utilizar, nunca. Mas dialogar, informar e divulgar, sempre.
O artigo rendeu e nem falei sobre a alimentação dos animais. Mas isso vai ficar para um próximo artigo, porque esse tema também merece muitas considerações.