Apesar desse texto já ter sido publicado, há alguns anos, em sites e blogs, somente nesta semana tive a oportunidade de conhecê-lo. É muito bom! Em poucas palavras, o autor soube descrever o que muitos de nós, veganos, sentimos e temos vontade de dizer às pessoas que não entendem os nossos motivos éticos para não consumirmos produtos de origem animal. Ninguém melhor do que uma pessoa que sentiu na pele o que é ser preso, enjaulado, tratado como mercadoria ou um objeto qualquer, para ensinar como devemos agir em relação a todos os seres.
Edgar Kupfer-Koberwitz (1906-1991), nascido em Koberwitz, próximo de Breslau, Polônia, era um pacifista. Preso em
Dachau (campo de concentração nazista) em 1940, foi abençoado, pelos deuses ou pelos guardas, dois anos depois, com um trabalho no almoxarifado do campo de concentração. Em pedaços roubados de papéis de rascunho e com pedaços de lápis, escreveu seu diário secreto. Em 29 de abril de 1945,
Dachau foi liberado. Edgar Kupfer e os “Diários de Dachau” estavam livres. Os "Diários de Dachau" foram publicados em 1956, época em que Kupfer havia se mudado para Chicago.
(As páginas seguintes foram escritas no campo de concentração de Dachau, em meio a todo tipo de crueldades. Elas foram, furtivamente, escritas na barraca do hospital, onde fiquei durante minha doença, em um tempo em que a morte nos tocava dia após dia, quando perdemos 12 mil pessoas em quatro meses e meio.)
"Querido Amigo,
Você me perguntou por quê não como carne e você está imaginando as razões do meu comportamento. Talvez você pense que eu tenha feito votos – algum tipo de penitência – recusando todos os gloriosos prazeres de comer carne. Você pensa em filés com molhos, peixes suculentos, deliciosos presuntos defumados e outras milhares de preparações cárneas que seduzem milhares de paladares humanos. Então, você vê que estou recusando todos estes prazeres e você pensa que somente penitência, um solene voto, um grande sacrifício, poderia me levar a recusar esta maneira de aproveitar a vida, suportando com grande resignação.
Você parece atônito e me pergunta: “Mas por quê e para quê? E você fica imaginando que quase adivinha a verdadeira razão. Mas se estou, agora, tentando lhe explicar a verdadeira razão, em uma frase concisa, você ficará atônito, mais uma vez, porque o seu palpite está muito distante do meu real motivo. Escute o que tenho a lhe dizer.
Recuso-me a comer animais porque não posso me alimentar do sofrimento e da morte de outras criaturas. Recuso-me a fazer isto porque eu mesmo sofri tão dolorosamente que consigo sentir as dores dos outros pela lembrança dos meus próprios sofrimentos. Sou feliz, ninguém me persegue. Por quê deveria perseguir outros seres ou causar-lhes sofrimento? Sou feliz, não sou um prisioneiro. Por quê devo transformar outras criaturas em prisioneiros e jogá-las em jaulas? Sou feliz, ninguém está me machucando. Por quê deveria machucar os outros ou permitir que sejam machucados? Sou feliz, ninguém me maltrata, ninguém vai me matar. Por quê deveria maltratar ou matar outras criaturas, ou permitir que sejam maltratadas ou mortas, para meu prazer e conveniência?
Não é natural que não inflija a outras criaturas a mesma coisa que espero, e temo, nunca seja imposta a mim? Não é a coisa mais injusta, fazer estas coisas aos outros sem nenhum propósito além do gozo deste insignificante prazer físico, às custas de mortes e tormentos?
Estes seres são menores e mais desprotegidos do que eu. Você pode imaginar um homem racional, de sentimentos nobres, basear-se nestas diferenças para afirmar o direito de abusar da fraqueza ou da inferioridade de outros? Você não acha que é justamente o dever do maior, do mais forte, do superior, proteger a criatura mais fraca ao invés de matá-la?
Eu quero agir de uma maneira nobre.
Lembro da horrível época da Inquisição e lamento constatar que o tempo dos tribunais dos hereges ainda não terminou. Que todos os dias os homens cozinham em água fervente outros seres que lhes são entregues pelas mãos de torturadores. Fico horrorizado ao pensar que estes homens são pessoas civilizadas e não brutos bárbaros, não nativos. Mas, apesar de tudo, eles são, primitivamente, civilizados. Primitivamente, adaptados ao seu meio cultural. O europeu médio, flutuando entre idéias eruditas e belos discursos, comete todos os tipos de crueldades com um sorriso nos lábios. Não porque ele seja obrigado a fazer isto, mas porque ele quer fazê-lo. Não porque ele tenha perdido sua capacidade de refletir e compreender as terríveis coisas que está executando. Oh, não! Apenas porque ele não quer ver os fatos. De outra maneira, ele seria interrompido e aborrecido no desfrute de seus prazeres.
Considerando somente as necessidades, alguém pode, talvez, concordar com estas pessoas. Mas será isto realmente uma necessidade? Esta tese pode ser contestada. Talvez exista algum tipo de necessidade para estas pessoas que ainda não evoluíram a personalidades conscientes.
Não estou pregando para eles. Escrevo para você, para um indivíduo ainda atento que racionalmente controla seus impulsos, que se sente responsável, interna e externamente, por seus atos, que sabe que nossa suprema corte está instalada em nossas consciências e que não há uma corte de apelação contra isto. Existe alguma necessidade que leve um homem, totalmente consciente de si mesmo, a respaldar uma matança? Em caso afirmativo, cada indivíduo tem que ter a coragem de fazê-la com suas próprias mãos. Está é, evidentemente, uma covardia miserável: pagar a outras pessoas para sujarem suas mãos de sangue e abster-se do horror e da consternação de fazê-lo.
Penso que os homens continuarão a ser mortos e torturados, enquanto os animais forem mortos e torturados. Enquanto isto, haverão guerras, também, porque matar precisa ser treinado e aperfeiçoado em pequenos objetos, moral e tecnicamente. Não vejo razão para se sentir ultrajado pelo que outros estão fazendo, nem pelos pequenos ou grandes atos de violência e crueldade. Mas penso que já está mais do que na hora de se sentir ultrajado por todos os pequenos e grandes atos de violência e crueldade que realizamos contra nós mesmos. E, porque é mais fácil vencer as pequenas batalhas do que as grandes, penso que devemos tentar vencer primeiro nossas tendências às pequenas violências e crueldades para evitá-las, ou melhor, para superá-las de forma final e definitiva. Então, o dia chegará quando será fácil lutar e superar até mesmo as grandes crueldades. Mas nós ainda estamos adormecidos, todos nós, em hábitos e atitudes herdadas. Elas são como um molho suculento que nos ajuda a engolir nossa crueldade sem sentir seu amargo gosto.
Este é o ponto: Eu quero crescer em um mundo melhor onde uma lei maior conceda mais felicidade, em um mundo novo onde impere o mandamento de Deus: “Amai-vos uns aos outros”."
Fonte: Vista-se
dharmabindu